domingo, janeiro 16, 2005

Soon this space will be too small

Diz-se que a única coisa certa na vida é a morte. Não é interessante que o que dá mais dá importância à vida seja o seu fim? Não quero entrar naquelas tretas transcendentais do pós-vida ou do pós-morte. Porquê?
Do que vale questionarmos sobre o que nunca saberemos, ou se o soubermos será na devida altura, não... o que me faz divagar é o que a morte influencia a vida. Os porquês são um mistério.

Sendo um homem inserido nos preâmbulos da Ciência, sei sem problemas justificar a existência da morte. É muito simples o encerrar de um ciclo que começou com a reprodução e como o planeta não aumenta, é natural que haja uma renovação de população. A Ciência será con certeza a melhor bananeira para encostarmos as nossas dúvidas existenciais...a lógica é exímia. Também há a razão biológica, ou seja, nenhum corpo sustenta vida eternamente, pois com o passar do tempo as estruturas que o constituem se fragilizam.
Surge o dilema: quando começa a fragilização? No útero há o desenvolvimento, nesta fase há crescimento, mas será que começa logo aqui o começo do fim...que deprimente. Certo é que é uma máquina milagrosa o nosso organismo, mas até o mais perfeito dos engenhos está sujeito às regras do universo, mas não vou por aí.

A verdade é que sendo a célula a unidade funcional de qualquer sistema vivo, será ela própria um sistema vivo, o primordial aliás. Existem outras definições, mas esta é a minha favorita: a definição diz que que um sistema vivo tem a capacidade de se manter num estado longe de equilibrio como meio de obter energia para crescer, se multiplicar usando ao seu dispor matérias fornecidas pelo ambiente.

Assim sendo, o passar do tempo faz a máquina perder traquejo e como há um encadeamento de reacções e processos que permitem a Vida, basta a mais pequena das coisas falhar para despoltar uma reacção em cadeia que, mais tarde ou mais cedo, resulta na morte.

Ou então vais a acender um cigarro, sem notar o carro descai um pouco, o suficiente para um camião te passar por cima...

Mas todos queremos mais, lá no fundo, não chega, por isso arranjam-se meios de encarar o inevitável. Uns optam por estar sempre preparados, tipo os estóicos. Tendo a morte como certa, porquê mexermo-nos, amar, pensar, quando no fundo, não passa de uma espera. Para eles, a vida é uma transição que termina com a morte. Ironicamente outros pensam que a morte é a transição para outra vida, que o fim não passa do começo.
Assim, muitos despojam-se de bens materiais e procuram algo em si mesmos e no que os rodeia. Não sabem o quê, mas sabem que está lá ou cá dentro. O problema é que a mente é traiçoeira, pois o que te define num momento pode ser contraditório no instante seguinte. É como um peixe tentar morder a própria cauda. É como achar que o que buscamos é o nosso próprio cu e não ter um espelho e necessitarmos de ver para crer. No fim, lá vês o teu cu e descobres que não era isso... parece ser perturbador.

No outro extremo está o carpe diem "aproveita o momento". A premissa do tempo ser curto, e por isso usufruir dele do melhor modo que acharmos possível.

Entre uma e outra há "n" prespectivas entre as quais, a clássica vida após a morte onde se supõe o paraíso, o nosso melhor sonho elevado à eternidade e plenitude, o inferno... Todas estas são meios de tornar a vida suportável, retirando-lhe o peso da forte possibilidade de ser a única e daí, mais relaxadamente, retirar mais prazer dela.

Chegou o momento da minha prespectiva favorita, que é tão plausível como qualquer outra.
O início é e será sempre a célula, o embrião, o feto. A partir de certo momento da vida intra-uterina, já teremos capacidade para pensar. Que mundo fantástico! parece planctòn, sou um ente em suspenção na minha placenta. Tenho um cordão umbilical, não espero nada mais, sou puro! Sou perfeito!! Mas isto está a ficar pequeno, pequeno demais para mim e o meu crescimento. Meu Deus, será isto o fim? Mas não, vejo uma luz brilhante, estou atónito, não tenho para onde fugir. Já não estou em suspensão e ahhh!!!! Saí!!! Caminhei para a luz e estou fora do meu mundo.

O nascimento não é muito diferente da morte e do pós-morte. Quando chegar a minha hora, este mundo será demasiado pequeno para mim, começo a ver uma luz brilhante e o meu futuro ex-mundo está cada vez mais longe, olho para trás e já só é um ponto preto, cada vez mais pequeno e ahhh!!!!

Foi o pai de Lhasa de Sela que tem esta teoria, aproximadamente. Está cantada em "Soon this space will be too small" do seu album "Living Road".




Estou curioso mas não estou ansioso...




P.S: Afinal entrei nas tretas transcendentais do pós-morte, porquê? Porque sou humano e não consigo parar de pensar

segunda-feira, janeiro 03, 2005

Como que em câmara-lenta

À noite a pupila dilata-se
Fico mais vivo
Pessoas passam na rua
Ouvem-se os passos
Começa a chover,
o instinto diz que me abrigue
Oiço gritos, não sou o único
Pessoas procuram abrigar-se
Um velho não se apressa
vai devagar, evitanto as poças de água
Duas jovens riem-se
uma ergue o seu casaco e correm
correm, procurando tecto
Os seus saltos altos ecoam
quase acima dos risos e vão cegas
pisam todas as poças
molhando-se ainda mais
rindo-se ainda mais
correndo ainda mais

Perco a noção do tempo
gotas de água escorrem-me pelo rosto
e caem desamparadas no chão
espargindo
Dando conta da minha imobilidade
Corro em busca de refúgio
Quando lá chego, pára a chuva
Apercebo-me que tenho um chapéu de chuva na mão...

Antes do crepúsculo

Dia: 23 / 09 / 2002
Hora: 06:34

Põe stop no discman ao se aproximar da soleira da porta. O som de Kid Loco, A Grand Love Story ainda lhe ecoava nos ouvidos enquanto introduzia a chave na fechadura o mais silenciosamente possível, achando até estar a fazer um novo recorde de abrir e fechar a porta sem ruído.

A escuridão atordoa-lhe ao princípio, devido à ausência da lua cheia que estava lá fora, mas aos apalpões encontrou o seu quarto. Ligou a luz com firmeza e começa o ritual de mais uma longa noite (another late night) que já se tornava um hábito.

Começa por tirar o chapéu azul impermeável que foi útil para os aguaceiros nocturnos. De seguida tirou o discman e casaco bèje. Tirou a roupa toda excepto os boxers e as meias e pôs-se a pensar, com os olhos fixos no armário de livros que tinha ao lado da cama.

Repentinamente, viu que o livro de pensamentos, o confidente de capa escarlate, o futuro livro de memórias...e decidiu escrever algo, pois já não o fazia à um tempo. Mas alguns obstáculos se prespectivavam: não tinha caneta e o livro estava fechado à chave no armário. Assim o eram devido à necessidade de silêncio no decorrer de toda a operação.

Começou por abrir a primeira gaveta da sua mesa de cabeceira para procurar uma caneta. Sem ruído, encontrou uma que nunca tinha visto, nem sabia que tinha: branca e amarela, propaganda médica.

Logo em seguida, retirou a chave do armário, que estava enfiada numa das portas e inseriu-a cuidadosamente na porta que encerrava o dito livro. Chave essa que tinha pendurado outro artefacto de propaganda médica, um proteus peluche cor-de-laranja.

No momento do clique da abertura da porta, tossiu para abafar o som e retirou o livro vermelho. Calmamente, deitou-se na cama e escreveu este texto, lembrando-se do Fabuloso Destino de Amèlie Poulain, filme que tinha acabado de ver perto das 6.00, ecoando-lhe na cabeça ainda Kid Loco.

Lembrando o ano desastroso em termos académicos, o Sudoeste e um bom final para este infindável e aparentemente enfadonho texto... (suspiro).

Dia: 23 /09 /2002
Hora: 7.00

A espontaniedade do fascínio Posted by Hello